A aviação é o meio de transporte mais danoso para o clima [1] e uma das fontes de emissão de gases de efeito estufa que mais aumentam [2]. Nos próximos 20 anos, a indústria espera dobrar a quantidade de passageiros aéreos [3]. Uma onda de expansão massiça da aviação está a acontecer a nível mundial, com cerca de 1.200 projetos de infraestrutura aeroportuária [4]. Muitos deles estão entre os maiores e mais caros mega-projetos, alguns dos quais impostos por governos a serviço dos interesses corporativos de grandes empresas.
O DILEMA
Enquanto menos de 10% da população mundial já pôs o pé num avião [5], é maioritariamente quem não utiliza o transporte aéreo que é atingido pela crise climática e os efeitos negativos da expansão aeroportuária, como a desapropriação de terras, barulho e problemas de saúde. Comunidades do Sul global [6], que contribuíram muito pouco para a crise, são as mais afetadas. O problema da aviação é parte dum retrato mais amplo de injustiça: vai contra a necessidade de eliminar o uso de combustível fóssil; tem relação com o complexo militar-industrial e também com a excessiva influência das grandes empresas em políticas públicas, em termos comerciais, económicos e climáticos. A aviação segue dependente do combustível fóssil; ainda assim, a indústria promove falsas soluções, como novas tecnologias para as aeronaves que nem sequer existem. As compensações (ver abaixo) e os biocombustíveis tampouco servem para reduzir as emissões e, além disso, tornam-se uma ameaça à soberania alimentar e ao abastecimento de comida, à biodiversidade e aos direitos humanos.
QUEM SOMOS
Somos pessoas, comunidades e organizações de diversas partes do mundo que enfrentam os múltiplos impactos da aviação: alguns de nós são diretamente atingidos pela infraestrutura aeroportuária e os impactos negativos na saúde decorridos da poluição do ar e sonora das aeronaves. Alguns de nós são ativistas da justiça climática e jovens que querem viver num planeta saudável. Alguns de nós vivem em comunidades, defendendo as nossas casas, territórios e ecossistema da desapropriação para a expansão de aeroportos, produção de biocombustíveis ou projetos para compensação de emissão de gases poluentes por parte das empresas da aviação. Alguns de nós são académicos, sindicalistas, trabalhadoras e trabalhadores do setor do transporte, assim como organizações ambientais e de transporte de todo o mundo, e de iniciativas que fomentam meios de transporte alternativos, como o ferroviário.
O business as usual e as falsas soluções corporativas não são uma opção. Por isso, promovemos estes 13 passos para transformar o transporte, a sociedade e a economia, no sentido de serem justos e ecológicos.
DO QUE PRECISAMOS
Uma transição justa
Devemos acabar com a dependência excessiva das formas de transporte mais poluentes e prejudiciais ao clima, impulsionadas por uma economia corporativa globalizada. Isso requer negociações e planeamento colaborativo para uma transição que não seja feita às custas de trabalhadoras e trabalhadores nos setores relevantes – embora inclua mudanças no que fazemos e em como trabalhamos. É necessário substituir as privatizações fracassadas por iniciativas locais favoráveis ao clima, boas condições de trabalho, propriedade pública e responsabilidade democrática. Alcançar isto diante de uma indústria de aviação voltada para o crescimento também requer a superação e o desmantelamento do poder corporativo. Precisamos de um sistema de transporte que seja democraticamente regulado e planeado, promova e apoie o bem comum e que seja integrado e ecológico.
Uma mudança para outros meios de transporte
Devemos reduzir o uso de meios de transporte prejudiciais em favor de outros mais ecológicos. O transporte de curta distância e alguns voos de média distância podem ser transferidos para comboios em regiões onde existe infraestrutura ferroviária relevante ou, de outra forma, para autocarro. Os comboios não precisam necessariamente ser de alta velocidade, mas os serviços diurnos e noturnos devem ser atraentes, acessíveis e movidos a energia renovável [7]. Também navios e ferries podem ser uma alternativa, se a sua fonte de energia for livre de carbono (vento, bateria elétrica, hidrogénio ou amónia).
Uma economia de distâncias curtas
O transporte de mercadorias é responsável por uma parcela significativa das emissões de carbono. Em vez de tentar triplicar o volume de transporte até 2050 [8], precisamos de reduzir a procura por bens que venham de longe e desenvolver economias locais. O objetivo aqui é a proteção do clima, não o protecionismo de estilo nacionalista. Isso pode e precisa de acontecer em conjunto com a manutenção de sociedades multiculturais e de mente aberta.
Permitir a mudança de hábitos e modos de vida
Devemos desafiar as normas sociais e do local de trabalho que incentivam viagens aéreas excessivas. Viagens de lazer geralmente podem ser na região ou em viagens mais lentas. As conferências online podem substituir muitas viagens de trabalho. Devemos questionar o crescente hábito de viajar para regiões longínquas, viagens de fim de semana de avião e turismo de massa que prejudicam culturas e ecossistemas locais.
Direito à terra e direitos humanos
A fim de impedir a desapropriação de terras em curso, a poluição, a destruição e o “ecocídio” causados pela indústria da aviação e atividades relacionadas, os direitos dos povos indígenas, comunidades locais, camponeses [9] e mulheres em relação à governança e posse das suas terras e territórios devem ser plenamente reconhecidos e respeitados. Isso também ajuda a garantir a soberania alimentar e a proteger os meios de subsistência, o trabalho, a cultura e os costumes dos povos. Ruídos persistentes, que ameaçam a saúde, provenientes de aeroportos próximos a comunidades, devem ser reduzidos.
Justiça Climática
Alcançar a Justiça Climática é mais do que um processo legal. Requer que as sociedades priorizem uma “boa vida para todos” [10] acima dos lucros para poucos. Isso inclui justiça entre todos – agora e para as futuras gerações. Implica também a luta contra todas as formas de discriminação com base em género, origem, raça, classe, religião ou orientação sexual [11]. Isso significa que o Norte Global [12] e os ricos do mundo são responsáveis por uma parcela maior do esforço para combater a crise climática e mitigar as consequências, incluindo pagamentos financeiros por responsabilidade e reparação. Justiça Climática também significa que as pessoas do Sul Global têm o direito de resistir a políticas climáticas neocoloniais, como compensação de emissões, geoengenharia e biocombustíveis (ver etapas 11, 12, 13).
Fortes compromissos políticos
Para limitar o aquecimento global a 1,5°C e deixar os combustíveis fósseis no solo, não podemos confiar em promessas voluntárias. Precisamos de regras vinculativas e aplicáveis, bem como limites claramente definidos para as emissões de gases de efeito de estufa. É necessário que as emissões da aviação internacional façam parte dos esforços nacionais de redução de emissões dentro do processo da UNFCCC [13] e que a captura corporativa contínua de políticas públicas chegue ao fim. Em todos os níveis – local, nacional e regional – precisamos de metas obrigatórias, transparência e participação democrática significativa. Embora as metas globais sejam importantes, também são necessárias medidas e regulamentações regionais e locais mais rigorosas, como impostos sobre querosene, IVA [14], impostos sobre bilhetes, tarifas para passageiros frequentes, padrões ambientais de aeronaves, limites no número de voos e moratórias aplicáveis sobre a infraestrutura aeroportuária, e outras formas de reduzir o uso de combustíveis fósseis.
O QUE DEVEMOS EVITAR
Novos aeroportos e expansão de aeroportos
Uma moratória na construção e expansão de aeroportos é necessária. Isso inclui empreendimentos comerciais e industriais centrados em aeroportos que atendem ao crescimento da aviação, incluindo as “aerotrópolis” [15] (cidades aeroportuárias) e os projetos de Zona Económica Especial. Comunidades que seriam isoladas sem acesso a viagens aéreas devem ser consideradas e formas ecológicas de conectá-las devem ser procuradas.
Privilégios para a indústria da aviação
A aviação não deve mais receber uma vantagem especial sobre outros setores de transporte. Companhias aéreas, aeroportos e fabricantes de aeronaves recebem enormes subsídios e incentivos fiscais – a principal razão pela qual muitos voos são mais baratos. Poucos países tributam o querosene e raramente existem impostos sobre o valor acrescentado ou impostos sobre passageiros. Algumas áreas de preocupação incluem: resgates de companhias aéreas; subsídios para voos; dívida; fabricação e compra de aeronaves; créditos à exportação; e auxílios estatais para novas infraestruturas aeroportuárias, entre outros [16].
Marketing da indústria de viagens aéreas
Incentivos sistémicos para viagens aéreas devem terminar. Isso inclui anúncios relacionados a voos ou outros tipos de marketing das indústrias de viagens, companhias aéreas e aeronaves. Programas de Passageiro Frequente (PPF) devem terminar, pois reforçam fortemente o voo como um símbolo de status [17]. Essas fortes ações têm precedentes. Algumas nações proibiram anúncios de cigarro há décadas, apesar da omnipresença do fumo (e dos anúncios) e dos direitos percebidos pelos fumadores. Alguns países já proibiram os PPF em âmbito nacional [18].
Compensação
A atual estratégia de mitigação que consiste em compensações de poluição é uma falsa solução impulsionada pela indústria aeronáutica e seus reguladores capturados [19]. As companhias aéreas e os aeroportos confiam redondamente na premissa enganosa de que, em vez de reduzir as emissões, podem compensá-las comprando créditos de carbono – como projetos de reflorestação ou barragens hidroelétricas que supostamente serviriam para gerar economia de emissões. Os aeroportos também tentam frequentemente legitimar a destruição dos ecossistemas, compensando a perda de biodiversidade. As compensações de carbono não produzem reduções reais de emissões [20] e as perdas de biodiversidade não podem, na realidade, ser compensadas [21]. Projetos de compensação geralmente levam a conflitos locais ou grilagem de terras. Este é especialmente o caso de projetos baseados em terra ou florestas, como o REDD+ [22]. As compensações são injustas e distraem a atenção da necessidade urgente de reduzir, e não apenas de mudar, a destruição.
Biocombustíveis
Substituir o querosene fóssil por biocombustível é outra falsa solução, e altamente destrutiva. Os biocombustíveis não podem ser fornecidos na grande escala que a indústria exigiria [23]. O uso substancial de biocombustíveis em aeronaves causaria (direta e indiretamente) um aumento maciço no desmatamento e na drenagem de turfa, causando assim grandes emissões de carbono. Também levaria a violações de terras e de direitos humanos, incluindo o despejo forçado e a perda de soberania alimentar [24].
A ilusão de soluções tecnológicas
Devemos evitar a atração do greenwashing da indústria da aviação. Futuras melhorias técnicas para aeronaves e operações foram identificadas e devem continuar a ser pesquisadas, mas devemos reconhecer que estas são e serão insuficientes para superar os problemas de emissões da aviação. Os ganhos de eficiência previstos no consumo de combustível são excedidos pelas taxas de crescimento histórico, atual e planeado de viagens aéreas e frete aéreo (um fenómeno conhecido como “efeito rebote”). As mudanças graduais na tecnologia da aviação são incertas e não entrarão em vigor até décadas a partir de agora. Dada a urgência das reduções de emissões, confiar em cenários questionáveis como a introdução de aviões elétricos em todo o setor é muito arriscado e desvia o foco dos cortes imediatos de emissões necessários [25]. Mesmo as futuras aeronaves movidas a eletrobombas seriam prejudiciais sem critérios de sustentabilidade fortes e uma redução no tráfego aéreo [26]. Para as próximas décadas, o tráfego aéreo descarbonizado ou “crescimento neutro de carbono” permanecerá, portanto, uma ilusão.
VAMOS À AÇÃO!
A STAY GROUNDED é uma crescente rede global de iniciativas, organizações e ativistas que trabalham juntos em todo o mundo para apresentar um sistema de transporte justo e ambientalmente saudável e para reduzir rapidamente as viagens aéreas. As atividades incluem: apoio às comunidades atingidas; campanha; pesquisa; análise de políticas e indústria; manifestações e ações diretas. Apelamos à solidariedade com as pessoas já afetadas pela mudança climática, com aqueles que lutam contra projetos aeroportuários, com aqueles que protegem os direitos das florestas e povos indígenas, com aqueles que promovem alternativas para aeronaves e com aqueles que trabalham para uma transição justa. A crise climática não é simplesmente uma questão ambiental. É nossa responsabilidade social e precisa ser abordada unindo forças. Convidamos todos os interessados a juntarem-se a nós a se comprometerem com a implementação destas 13 etapas necessárias.
Assine esta declaração da rede Stay Grounded com o seu grupo ou organização.
Declare o apoio do seu grupo ou organização ao movimento ATERRA, membro português da rede Stay Grounded.
Referências
1 Cohen et al. (2016): Finding Effective Pathways to Sustainable Mobility. Bridging the Science-Policy Gap. http://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/09669582.2015.1136637?needAccess=true.
Hall et al. (2013): The Primacy of Climate Change for Sustainable International Tourism. https://www.researchgate.net/profile/Daniel_Scott9/publication/264488262_The_Primacy_of_Climate_Change_for_Sustainable_International_Tourism/
2 Aviation grew over 7% and air freight over 9% in 2017 (doubling rates in 10 and 7 years respectively). See: http://atwonline.com/manufacturers/boeing-projects-another-record-year-aircraft-deliveries-2018
4 423 new airports, 121 runways, 205 runway extensions, 262 new terminals and 175 terminal extensions. CAPA – Centre for Aviation (2017): Airport Construction Database
5 Scott et al. (2012): Tourism and Climate Change: Impacts, Adaptation and Mitigation (p.109), citing Worldwatch Inst. (2008): Vital Signs 2006-2007 (http://www.worldwatch.org/node/4346). “Yet only 5 percent of the world’s population has ever flown.” (p. 68) This estimate is old, but most recent, so we use a conservative “10%”.
6 We use “Global South” for those regions that are often called “developing countries”, which suggests that there was still the need for industrial development and modernisation. The terms Global South and Global North refer to the geopolitical (not necessarily geographical) situation in an unequal world system.
7 Night trains are in particular useful when the day journey time would be more than four hours. They must offer a choice of comfort levels, with fares that are attractive but not too complex and tickets that are easy to book and that are compatible with day trains.
8 International Transport Forum (2017): ITF Transport Outlook 2017 – Summary. https://bit.ly/2JknZWu
10 This concept stems from the “Buen vivir” in Andean societies of Latin America and is understood as an alternative to the capitalist understandings of development as growth.
12 See footnote 6
13 UNFCCC: United Nations Framework Convention on Climate Change
14 Value Added Tax
15 Global Anti-Aerotropolis Movement (2015): What is an Aerotropolis, and Why Must These Developments Be Stopped? https://antiaero.files.wordpress.com/2015/03/gaam-whats-an-aerotropolis2.pdf
16 More on different privileges see: Todts, William (2018): Ending Aviation’s Tax Holiday. https://www.transportenvironment.org/newsroom/blog/ending-aviation%E2%80%99s-tax-holiday
17 Gossling & Nilsson (2010). Frequent flyer programmes and the reproduction of aeromobility. https://www.academia.edu/attachments/7559357/download_file?s=work_strip
18 OECD (2014): Airline Competition – Note by Norway. http://www.konkurransetilsynet.no/globalassets/filer/publikasjoner/oecd-bidrag/2014/bidrag-fra-norge–competition-issues-in-airline-services.pdf
For DK: Storm (1999) “”Air Transport Policies and Frequent Flyer Programmes in the European Community – a Scandinavian Perspective”, page 86. http://www.konkurransetilsynet.no/globalassets/filer/publikasjoner/oecd-bidrag/2014/bidrag-fra-norge–competition-issues-in-airline-services.pdf
19 The International Civil Aviation Organization (ICAO) is the specialised UN agency that regulates international air transport and that is working closely with the aviation industry. Its climate strategy called CORSIA (Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation) relies almost entirely on offsetting emissions. (https://www.icao.int).
20 The Öko-Institut (2016) investigated the effectiveness of existing offsetting projects for the European Commission and concluded that most likely only 2% of United Nations offset projects resulted in an actual additional emissions reduction. See: https://tinyurl.com/ybk7xybl
21 Spash (2015): Bulldozing Biodiversity. The Economics of Offsets and Trading-in Nature. In: Biological Conservation 192, S. 541⁻551;
Counter Balance/ Re:Common (2017): Biodiversity Offsetting. A Threat for Life. http://tinyurl.com/yc2uacen
22 REDD+: Reducing Emissions from Deforestation and forest Degradation. See more on REDD and offsetting in the study “The Illusion of green flying”: http://www.ftwatch.at/flying_green/ ;
Further Information on Offsetting: Film “Carbon Rush”;
Spash (2010): The Brave New World of Carbon Trading. In: New Political Economy, 15/2: 160-195
23 The only proven aviation biofuel technology relies on vegetable oils and the only feedstock that would be economically feasible on a large scale is palm oil, which is one of the main drivers of deforestation worldwide. See: Ernsting, Almuth (2017): Aviation Biofuels: How ICAO and Industry Plans for ‘Sustainable Alternative Aviation Fuels’ Could Lead to Planes Flying on Palm Oil. https://www.biofuelwatch.org.uk/wp-content/uploads/Aviation-biofuels-report.pdf
24 For a recent (2014) study on the detrimental impact of biofuel consumption in the European Union, see: https://ec.europa.eu/energy/sites/ener/files/documents/Final%20Report_GLOBIOM_publication.pdf;
See open letter to ICAO signed by 96 civil society organizations: http://www.biofuelwatch.org.uk/2017/aviation-biofuels-open-letter/
25 Peeters (2017): Tourism’s Impact on Climate Change and its Mitigation Challenges – How Can Tourism Become ‘Climatically Sustainable’. https://repository.tudelft.nl/islandora/object/uuid:615ac06e-d389-4c6c-810e-7a4ab5818e8d/datastream/OBJ/download
Peeters et al. (2016): Are Technology Myths Stalling Aviation Climate Policy. https://www.researchgate.net/profile/Scott_Cohen10/publication/296632724_Are_technology_myths_stalling_aviation_climate_policy
26 Malins (2017): What Role for Electrofuel Technologies in European Transport’s Low Carbon Future: https://www.transportenvironment.org/sites/te/files/publications/2017_11_Cerulogy_study_What_role_electrofuels_final_0.pdf