É o fim de uma perseguição legal e de um esbanjar de recursos públicos que durou mais de cinco anos. Francisco Pedro, ativista do movimento ATERRA, foi condenado a pagar uma multa pelo crime de “desobediência qualificada”, por alegadamente ter organizado um protesto criativo e não o ter comunicado à Câmara Municipal de Lisboa.
Na noite de 23 de abril de 2019, um discurso do então primeiro-ministro António Costa foi interrompido com aviões de papel e uma faixa onde se lia: «Mais aviões? Só a brincar! Precisamos dum plano B, não há planeta B». Francisco tentou tomar a palavra, até ser violentamente retirado pelos seguranças.
O objetivo era denunciar o acordo que o governo assinara com a multinacional Vinci para, em plena crise climática, expandir o Aeroporto Humberto Delgado e ainda construir um novo aeroporto no Montijo. Um projeto sobre o qual António Costa afirmara não haver “plano B” – mas que a mobilização da sociedade civil conseguiu entretanto travar.

Após três meses de julgamento com forte dispositivo policial, em fevereiro de 2022 o Juízo Local Criminal de Lisboa reconheceu que Francisco era inocente. A juíza considerou não ter ficado provado que o ativista da ATERRA fosse o organizador, e questionou a legitimidade de uma lei de 1974, anterior à própria Constituição, a qual consagra o direito à liberdade de expressão, reunião e manifestação. «Pela formulação do artigo 45.º da Constituição da República Portuguesa, não se mostra prevista a possibilidade de restrição daqueles direitos fundamentais, suscitando o Decreto-Lei n.º 406/74 dúvidas quanto à sua constitucionalidade», ficou escrito na sentença de absolvição. «Os manifestantes pacíficos encontram-se no exercício de um direito fundamental», o aviso prévio à câmara municipal trata-se de «um mero requisito de ordem procedimental», e «uma manifestação não deve ser objeto de uma ordem de interrupção» pela falta de aviso prévio.
Surpreendemente, o Ministério Público recorreu da decisão e o Tribunal da Relação inverteu a decisão, cingindo-se ao depoimento do então chefe da PSP, que identificou Francisco Pedro como promotor da ação, ignorando as restantes provas e testemunhas.
Recusados todos os recursos, Francisco foi condenado a 300 euros de multa, convertidos em 60 horas de trabalho em favor da comunidade. Mais do que a pena, a condenação foi, naturalmente, o próprio processo, que envolveu cinco longos anos e três mil euros apenas em custas judiciais.
A intimidação de defensores de direitos humanos e do ambiente através de processos legais é conhecida em inglês por SLAPP. É uma prática comum, normalmente por parte de grandes empresas, com acusações legal e moralmente descabidas, para manter ativistas de mãos atadas e silenciar a crítica, enquanto prosseguem crimes contra os direitos humanos e o ambiente.
Durante este tempo, a multinacional VINCI, com o apoio do governo, tem levado a cabo uma expansão ilegal da capacidade do Aeroporto Humberto Delgado, sem avaliação de impacte no ambiente e na saúde das populações.
O número de passageiros aéreos em Lisboa já duplicou desde 2013 para mais de 35 milhões de pessoas, que apanham um total de 225 mil voos anuais – fazendo do Aeroporto de Lisboa a infraestrutura mais poluente do país. O crescimento desmesurado do tráfego aéreo é incompatível e é contraditório com os compromissos climáticos assumidos pelo Estado Português.
“Fui punido por denunciar um crime ambiental, usando o meu direito de protestar pacificamente. Enquanto é cúmplice em crimes ambientais, o Estado esbanja dinheiro público para perseguir ativistas que denunciam esses crimes. O mecanismo é simples. Um longo limbo judicial para isolar, criar stress, incerteza, desgaste emocional e financeiro. Retratar os defensores dos direitos humanos e da Terra como criminosos, procurando excluir-nos do debate público e usar-nos como exemplo de que não se deve questionar a autoridade.”
A Amnistia Internacional referiu este e outros casos para denunciar a crescente repressão do direito ao protesto pacífico por parte do Estado Português, apelando à revisão do Decreto-Lei n.º 406/74. Desde estudantes pelo clima nas faculdades à solidariedade com a Palestina na Volta a Portugal, o crime de desobediência tem sido utilizado repetidamente nos últimos anos, tanto por forças policiais nas ruas como por magistrados nas salas de tribunal, para atropelar a Constituição Portuguesa e reprimir a liberdade de expressão e o direito à manifestação.
A ATERRA vai agora avançar com uma queixa do Estado Português ao Conselho dos Direitos Humanos, bem como ao relator especial das Nações Unidas para os defensores do ambiente.