Daniel Oliveira, Montijo, Descarbonização e o falhanço de imaginação

Daniel Oliveira diz-nos que temos razão em denunciar “a contradição entre a construção de um aeroporto e a descarbonização da economia”, mas “que infelizmente dependemos do turismo e que não temos uma alternativa ferroviária decente.” Este tipo de vírgulas é que nos lixam sempre e tiram-nos do realismo físico para atirar-nos no realismo político.

opinião de Sinan Eden, ativista do Climaximo, no Facebook  a 4 de Março de 2021

Daniel Oliveira não acha que a nossa casa esteja a arder. Daniel Oliveira nega a ciência, ou pelo menos nega o significado dos factos científicos. Ninguém diz “A minha casa está a arder -vírgula- mas tenho de acabar este último relatório porque o meu salário depende disto.” Ninguém diz “A minha casa está a arder -vírgula- mas eu preciso de descansar agora.” Quem diz “A minha casa está a arder”, acaba essa frase com um ponto. O movimento climático está a lutar para ganhar este ponto.

Essa vírgula acontece quando a pessoa está imersa no sistema hegemónico e não consegue ver o fora. Esta falta de imaginação leva (e tem levado) ao “realismo” político, que nos dá boleia ao caos climático. Para voltarmos a pensar sobre realismo baseado na realidade: As verdadeiras opções não são novo aeroporto = turismo = economia vs. planeta. Aviação e emissões não funcionam assim.

As verdadeiras opções, em termos climáticos, são:

  1. fechar o aeroporto de Portela hoje,
  2. fechar o aeroporto de Portela amanhã,
  3. criar um plano justo de encerramento faseado do aeroporto de Portela,
  4. criar um plano de encerramento faseado do aeroporto de Portela,
  5. criar um plano justo para redução drástica dos voos no aeroporto de Portela,
  6. criar um plano para redução drástica dos voos no aeroporto de Portela,
  7. parar a expansão do aeroporto de Portela,
  8. manter tudo como está,
  9. expandir o aeroporto de Portela,
  10. construir novo aeroporto no Montijo ou em Alcochete,
  11. construir novos aeroportos no Montijo e em Alcochete. [e muito mais opções intermédias]

Cada dia, o governo faz uma escolha entre estas opções. Cada dia, a sociedade faz uma escolha entre estas opções. A análise de se a partir do ponto N as opções ficam realistas ou não deve ser baseada em algo sensato.

Sim, podemos discutir uma transição ecológica justa, assegurando os empregos, o bem-estar das pessoas, e o desenvolvimento do país. Mas depois da nossa casa arder, esse debate torna-se pouco interessante. Nós sabemos hoje que Portugal tem de cortar as suas emissões por 11% todos os anos. Isto significa estar a fechar coisas. O debate sobre abrir mais coisas é negacionismo climático. O paternalismo no “mas é bom recordar que” do autor não ajuda resolver nenhum dos problemas e só serve aos interesses privados. Cada euro gasto neste aeroporto é valor criado pela sociedade que não foi investido na ferrovia e na transição justa.

E o paternalismo piora: “É o mesmo que exigir que a descarbonização comece por países que ainda nem sequer eletrificaram a maioria das casas.” De acordo com esta lógica, Portugal deve *aumentar* as suas emissões e assim alimentar o caos climático que comece por países que ainda nem sequer eletrificaram a maioria das casas. Porque são “o mesmo”.

Gostaria de gritar isto: manter o turismo de massa em Lisboa não é o mesmo que electrificação das casas no Sul Global, mas é o mesmo que defender que os outros países se lixem. Um autor num país europeu podia ter mais noção, mas o falhanço de imaginação funciona assim mesmo.

O exagero do Daniel Oliveira é olímpico: cancelar um novo aeroporto nem sequer descarboniza alguma coisa; só não carboniza mais. Isto é que é “o mesmo” que electrificação das casas?

Resumindo e concluindo,

  • achar que o debate de descarbonização é limitado à construção do novo aeroporto é ridículo: a ciência climática diz-nos para reduzirmos a aviação actual drasticamente e rapidamente;
  • fingir que cancelar um novo aeroporto descarboniza alguma coisa não faz sentido nenhum, e comparar isso com electrificação das casas no Sul Global é no mínimo deshonesto;
  • o que nos levou ao caos climático não foi um fascista-totalitário-ditador a fazer decisões más; o que nos levou ao caos climático é o business-as-usual que Daniel Oliveira advoga;
  • .. ah estive quase a esquecer-me: A nossa casa está a arder. [ponto]

PS: No 6º Encontro Nacional pela Justiça Climática , dia 13 de Março, a campanha vai apresentar um novo relatório que explica como podemos ter uma transição justa no sector de aviação.

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